Vejamos, agora, um exemplo de não convergência do método de Euler, mesmo no caso aditivo, quando o termo de drift é apenas localmente Lipschitz. Esse exemplo aparece na Seção 10.5 de Higham & Kloeden (2021) e é feita em detalhes e em maior generalidade em Hutzenthaler, Jentzen & Kloeden (2011).
Considere, inicialmente, a equação diferencial ordinária
dtdx=−x3,
com condição inicial x(0)=x0>0. O método de Euler com passo constante tem a forma
xj=xj−1−xj−13Δt=xj−1(1−xj−12Δt).
Seja T>0 arbitrário e fixe um passo de tempo qualquer Δt=T/N≤2, para algum N∈N. Suponha que a condição inicial seja tal que
x0≥Δt2≥1.
Nesse caso,
1−x02Δt≤1−2x0≤x0−2x0=−x0.
Assim, o primeiro passo de Euler nos dá
x1=x0−Δtx03=x0(1−Δtx02)≤−x02.
Por indução, vamos supor que ∣xj∣≥xj−12, com sinais alternados, sgn(xj)=(−1)j. Vamos separar em dois casos, dependendo da paridade de j, ou seja, do sinal de xj.
Quando j é par, xj tem sinal positivo e
xj=∣xj∣≥x0≥Δt2≥1,
de modo que
1−xj2Δt≤xj−xj2Δt=xj(1−xjΔt)≤xj(1−2)=−xj.
Portanto,
xj+1=xj(1−xj2Δt)≤−xj2,
ou seja xj+1 é negativo e ∣xj+1∣≥xj2.
Quando j é impar, xj tem sinal negativo e
xj=−∣xj∣≤−x0≤−Δt2≤−1,
de modo que
1−xj2Δt≤−xj−xj2Δt=−xj(1+xjΔt)≤−xj(1−2)=xj.
Portanto, como xj é negativo,
xj+1=xj(1−xj2Δt)≥xj2,
ou seja xj+1 é positivo e ∣xj+1∣≥xj2.
Assim, em qualquer caso, temos xj+1 de sinal contrário ao de xj e com
∣xj+1∣≥xj2,
completando a indução.
Iterando essa relação, obtemos que a aproximação de Euler alterna de sinal e diverge de maneira duplamente exponencial, com
∣xj∣≥∣xj−1∣2≥(∣xj−2∣2)2≥⋯≥x02j,
ao invés de convergir para zero, como a solução exata da equação.
No argumento acima, começamos com x0 positivo, mas a mesma ideia se aplica quando x0 é negativo com x0≤−2/Δt. Ou seja, mais geralmente, se
∣x0∣≥Δt2≥1,
então vale que o sinal de xj alterna a cada iteração e
∣xj∣≥∣xj−1∣2≥(∣xj−2∣2)2≥⋯≥∣x0∣2j,
Finalmente, observe que fixando x0 e diminuindo o passo de tempo esse problema desaparece. Isso é compatível com o fato de que o método de Euler converge e é de ordem 1 no caso determinístico. Vamos ver agora como o problema acima pode ser explorado para nos dar que, no caso estocásticom o método de Euler-Maruyama não converge.
Considere, agora, a equação acima mas com uma condição inicial aleatória, i.e.
dtdXt=−Xt3,
com X0=X0(ω) variável aleatória. Caso X0 tenha suporte compacto, digamos
∣X0∣≤r,
quase certamente, então basta tormarmos um passo Δt suficientemente pequeno tal que
Δt<r2,
para evitar as oscilações das aproximações de Euler para um ω qualquer. Porém caso X0 não tenha suporte limitado, podemos não ter esse controle global sobre erro. De fato, suponha que
X0∼N(0,σ2),
para algum σ>0 e que T>0. Dado N∈N, seja Δt=T/N e defina
quando N→∞, também. Isso mostra que os momentos de XN não convergem para os momentos da solução exata XT no instante t=T. Em outras palavras, a aproximação de Euler não converge fortemente nem fracamente para a solução exata, nesse caso.
Consideramos, agora, a perturbação estocástica da equação acima por um ruído aditivo, a saber
dXt=−Xt3dt+dWt.
Vamos assumir X0=0, para simplificar, mas o resultado vale de maneira mais geral. Dados T>0 e N∈N, temos o passo de tempo Δt=T/N. Consideramos apenas N suficientemente grande tal que
Δt=NT≤21.
A aproximação de Euler Xj, nos instantes tj=jΔt,j=0,…,N, é dada por
Xj=Xj−1−Xj−13Δt+ΔWj−1,j=1,…,N,
onde
ΔWj−1=Wtj−Wtj−1.
Seja
rN=TN=Δt1≥2.
Considere o conjunto amostral
AN={ω∈Ω;∣ΔW0(ω)∣≥rN2 e rN1≤∣ΔWj(ω)∣≤rN2,j=1,…,N}.
A ideia é que o primeiro passo leva a aproximação para a região de "explosão" e os passos seguintes não são suficientes para tirá-la de lá. Há, na verdade, muita folga nessa construção. A explosão acontece em uma região muito maior. Mas o conjunto acima facilita as contas e é suficiente para mostrar a não convergência do método, nesse caso.
No que se segue, assumimo, então, que ω∈AN. No primeiro passo, como X0=0, temos
∣X1∣=∣ΔW0∣≥rN2.
Agora, vamos assumir, por indução, que ∣Xj∣≥∣Xj−1∣2, para j∈N. Para j=1, como X0=0, então isso vale trivialmente. Vamos, então, assumir que ∣Xj∣≥∣Xj−1∣2, até um certo j∈N, e mostrar para j+1. Observe que acabamos de ver que ∣X1∣≥rN2. Como rN≥2, então ∣X1∣≥4. Até j, também temos ∣Xj∣≥∣Xj−1∣2≥…≥∣X1∣2j−1≥rN2j≥4.
para ∣x∣≥R, com R≥1,β>α>1, Isso inclui equações como a equação de Ginzburg-Landau estocástica, a equação de Verhulst estocástica, a equação de difusão de Feller com crescimento logístico, equações cinéticas e outras tantas.