4.1. Conceitos essenciais

Um processo estocástico é, essencialmente, uma família de variáveis aleatórias \(\{X_t\}_{t\in I}\) indexada por algum conjunto \(I\). Vamos considerar, mais especificamente, \(I\subset \mathbb{R}\), em duas situações específicas, como um subintervalo da reta ou como um conjunto discreto enumerável da reta. Em muitos casos, \(t\) representa uma variável temporal, discreta ou contínua, e \(X_t\) indica a variação do estado de algum sistema ao longo do tempo, por exemplo.

A definição acima, porém, é um tanto vaga. Uma definição mais precisa de um processo estocástico \(\{X_t\}_{t\in I}\) é a de que as variáveis aleatórias \(X_t\) são funções (mensuráveis) definidas em um mesmo espaço amostral \((\Omega, \mathcal{F}, \mathbb{P})\) e assumindo valores em um mesmo espaço de estados \((\Sigma, \mathcal{E})\).

Classificamos um processo de acordo com a natureza do conjunto de índices \(I\subset \mathbb{R}\) e do conjunto eventos \(\Sigma.\) Dizemos que \(\{X_t\}_{t\in I}\) é um processo estocástico em tempo discreto quando \(I\) é discreto, e.g. \(I = \mathbb{Z}\), ou \(I=\mathbb{Z}^* = \{0, 1, 2, \ldots\}\), ou \(I = \mathbb{N}\), ou \(I = \{(t_1, t_2, \ldots)\; t_j \in \mathbb{R}, \; t_j < t_{j+1}\}\). Dizemos que \(\{X_t\}_{t\in I}\) é um processo estocástico em tempo contínuo quando \(I\) for um intervalo não trivial, e.g. \(I=\mathbb{R}\), ou \(I=[0, \infty)\) ou \(I=[t_0, t_f].\)

No caso do conjunto de eventos, dizemos simplesmente que é um processo estocástico discreto, quando \(\Sigma\) é discreto, ou um processo estocástico contínuo, quando \(\Sigma\) é contínuo.

Vale ressaltar que a função \(X_t\) é uma função determinística, levando cada \(\omega \in \Omega\) em um estado \(X_t(\omega) \in \Sigma\). A incerteza vem da interpretação de que cada realização \(X_t(\omega)\) ou cada conjunto de realizações vem com uma certa probabilidade de ser observado. A análise, em si, é que é probabilística por natureza.

Em relação aos conjuntos amostrais, definidos pela \(\sigma\)-álgebra \(\mathcal{F}\), é necessário que cada \(X_t\) seja uma variável aleatória em relação a essa \(\sigma\)-álgebra. Ou seja, para cada evento \(E\in \mathcal{E}\), devemos ter \(X_t^{-1}(E)\in \mathcal{F}\). Dizemos, assim, que \(X_t\) é mensurável, ou, mais precisamente, que é \((\Omega, \mathcal{F})\)-\((\Sigma, \mathcal{E})\)-mensurável.

Para cada \(\omega\in \Omega\), a função \(t \mapsto X_t(\omega)\) é chamada de trajetória, ou caminho amostral. É comum denotarmos um caminho por \(x(t, \omega) = X_t(\omega)\). A distribuição de probabilidade nos dá não apenas a probabilidade de observarmos um determinado valor, em um determinado instante, mas também a probabilidade de observamos toda uma trajetória, ou trajetórias, ou partes dela.

Com as variáveis aleatórias definidas no mesmo espaço amostral, com medida de probabilidade \(\mathbb{P}\), podemos representar a probabilidade do processo assumir um determinado valor \(x_1\), em um certo instante \(t\), por

\[ \mathbb{P}(X_t = x_1) \]

Por sua vez, a probabilidade conjunta de observarmos uma trajetória assumindo estados \(x_1, x_2\in \Sigma\), em dois instantes \(t_1, t_2 \in I\), por \(\mathbb{P}(X_{t_1} = x_1, X_{t_2} = x_2)\). E assim por diante.

O conjunto \(\Omega\) é um tanto abstrato, podendo ser representado de várias formas possíveis, ou normalmente nem sendo especificado. Mas é instrutivo pensarmos \(\Omega\), mais concretamente, como sendo o próprio conjunto \(\Omega = \Sigma^I = \{x:I \rightarrow \Sigma\}\) de todas as trajetórias \(x:I \rightarrow \Sigma\) possíveis, definidas no intervalo de tempo \(I\), e assumindo qualquer estado em \(\Sigma\). Naturalmente, esperamos observar só algumas trajetórias em um dado processo, o que será determinado pela probabilidade de cada trajetória, ou, mais precisamente, da probabilidade de cada subconjunto mensurável \(F\subset \Omega,\) ou seja, de cada \(F\in\mathcal{F}.\)

Pensando assim, a probabilidade \(\mathbb{P}(X_t = x_1)\) de, em um determinado instante \(t\in I\), observamos um certo evento \(x_1\), é a probabilidade \(\mathbb{P}(A)\) do conjunto \(A = \{x:I \rightarrow \Sigma; \;x(t) = x_1\}\) de todas as trajetórias que passam por \(x_1\) no instante \(t\).

Por sua vez, a probabilidade conjunta \(\mathbb{P}(X_{t_1} = x_1, X_{t_2} = x_2)\), em dois instantes \(t_1, t_2 \in I\) e para dois eventos \(x_1, x_2\in \Sigma\), é a probabilidade \(\mathbb{P}(A)\) do conjunto \(A = \{x:I \rightarrow \Sigma; \;x(t_1) = x_1, \;x(t_2) = x_2\}\).

No caso de um processo real, i.e. em que o espaço de eventos \(\Sigma\) é um subconjunto de \(\mathbb{R},\) a probabilidade \(\mathbb{P}\) pode ser caracterizada pelas funções de probabilidade acumuladas (conjuntas). A função de probabilidade acumulada no instante \(t\) é definida por

\[ F_t(x) = \mathbb{P}(X_t \leq x) \]

e as funções de probabilidade acumulada conjuntas, por

\[ F_{t_1, \ldots, t_n}(x_1, \ldots, x_n) = \mathbb{P}(X_{t_1} \leq x_1, \ldots X_{t_n} \leq x_n). \]

Por construção, essa família de funções de distribuição \(\{F_{t_1, \ldots, t_n}\}_{n\in \mathbb{N}, t_1, \ldots, t_n \in I}\) satisfaz duas condições fundamentais:

  1. Simetria: Sejam \(n\in \mathbb{N}\), \(n \geq 2\), e \(t_1, \ldots, t_n\in I\). Se \((i_1, \ldots, i_n)\) é uma permutação dos índices \((1, \ldots, n)\), então \(F_{t_{i_1}, \ldots, t_{i_n}}(x_{i_1}, \ldots, x_{i_n}) = F_{t_1, \ldots, t_n}(x_1, \ldots, x_n)\), para quaisquer \(x_1, \ldots, x_n \in \mathbb{R}\).

  2. Compatibilidade: Para \(m < n\), \(m, n \in \mathbb{N}\), e \(t_1, \ldots, t_n \in I\), vale \(F_{t_1, \ldots, t_m}(x_1, \ldots, x_m) = F_{t_1, \ldots, t_m, t_{m+1}, \ldots, t_n}(x_1, \ldots, x_m, \infty, \ldots, \infty)\).

Por outro lado, um resultado importante de Kolmogorov, conhecido como o Teorema Fundamental de Kolmogorov (além de outros nomes, tais como Teorema de Existência de Kolmogorov e Teorema de Extensão de Daniell-Kolmogorov) garante que qualquer família de funções de distribuição satisfazendo as condições de simetria e compatibilidade definem um processo estocástico.

Este é um dos primeiros resultados profundos envolvendo processos estocásticos contínuous. Vejam, por exemplo Kolmogorov extension theorem e Lecture 5. The Daniell-Kolmogorov existence theorem e 245A, Notes 6: Outer measures, pre-measures, and product measures. Sua demonstração é baseada no Teorema de Extensão de Carathéodory, usualmente visto em Teoria da Medida



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