6.1. Integrais de Riemann

Integral definida

Vamos considerar integrais da forma

\[ Z = \int_a^b f(s, X_s) \;\mathrm{d}s, \]

onde \(\{X_t\}_{t \in [a, b]}\) é um processo estocástico real definido em um intervalo \([a, b]\subset \mathbb{R}.\)

Vamos considerar, inicialmente, funções e processos em que

  1. \(f:[a, b]\times \mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R}\) é contínuo; e

  2. Quase certamente, os caminhos amostrais de \(\{X_t\}_{t\in [a,b]}\) são contínuos.

Sob essas condições, para quase todo \(\omega,\) a função

\[ t \mapsto f(t, X_t(\omega)) \]

é contínua e limitada no intervalo compacto \(t\in [a, b].\) Portanto, a sua integral de Riemann está bem definida e podemos definir \(Z\) pontualmente, via essa integral:

\[ Z(\omega) = \int_a^b f(s, X_s(\omega)) \;\mathrm{d}s. \]

O conjunto em que o caminho amostral não é contínuo tem medida nula e, nele, podemos definir \(Z(\omega)\) como sendo zero ou qualquer outro valor. Não faz diferença, no sentido de medida.

A questão que não é imediata é se \(\omega \mapsto Z(\omega),\) assim definido, é mensurável e, portanto, é uma variável aleatória. Para isso, podemos mostrar que \(Z\) é o limite, quase sempre, de somas de Riemann.

Seja \(M = \{t_j\}_j,\) com \(a = t_0 < t_1 < \cdots < t_n = b,\) uma partição do intervalo \([a, b]\) e defina

\[ Z_M = \sum_{j=1}^{n} f(t_{j-1}, X_{t_{j-1}}(\omega)) (t_j - t_{j-1}). \]

Como \(f\) é contínuo, cada \(\omega \mapsto f(t_{j-1}, X_{t_{j-1}}(\omega))\) é mensurável. Como a combinação linear de funções mensuráveis é mensurável, segue que \(Z_M\) é mensurável.

Finalmente, para quase todo \(\omega,\) \(Z_M(\omega)\) é uma soma de Riemann que converge para a integral \(Z(\omega).\) Portanto, \(Z_M(\omega)\) converge para \(Z(\omega),\) para quase todo \(\omega,\) quando a malha é refinada. Escolhendo uma sequência \(\{M_k\}_k\) de malhas, com \(\|M_k\| = \max_j\{t_j - t_{j-1}\} \rightarrow 0,\) quando \(k\rightarrow \infty.\) Assim, vemos que \(Z\) é o limite pontual de uma sequência de funções mensurávels \(Z_{M_k}.\) Como o limite de funções mensuráveis reais é mensurável, segue que \(Z\) é mensurável. Portanto, \(Z\) é uma variável aleatória.

Exemplo

Para exemplificar, vamos examinar

\[ \int_0^T W_t \;\mathrm{d}t. \]

Como os caminhos amostrais são contínuos, essa integral é dada, quase certamente, pela integral de Riemann dos caminhos. Pela unicidade dos limites, essa integral é a mesma que a integral do limite em probabilidade das somas de Riemann do processo:

\[ \int_0^T W_t \;\mathrm{d}t = \lim \sum_{j=1}^{n} W_{t_{j-1}} (t_j - t_{j-1}). \]

Observe que

\[ \mathbb{E}\left[ \sum_{j=1}^{n} W_{t_{j-1}} (t_j - t_{j-1})\right] = \sum_{j=1}^{n} \mathbb{E}\left[W_{t_{j-1}}\right] (t_j - t_{j-1}) = 0. \]

Por sua vez,

\[ \begin{align*} \mathbb{E}\left[ \left(\sum_{j=1}^{n} W_{t_{j-1}} (t_j - t_{j-1})\right)^2\right] & = \mathbb{E}\left[ \left(\sum_{i=1}^{n} W_{t_{i-1}} (t_i - t_{i-1})\right)\left(\sum_{j=1}^{n} W_{t_{j-1}} (t_j - t_{j-1})\right)\right] \\ & = \sum_{i,j=1}^{n} \mathbb{E}\left[W_{t_{i-1}}W_{t_{j-1}}\right] (t_i - t_{i-1})(t_j - t_{j-1}) \\ & = \sum_{i,j=1}^{n} \min\{t_{i-1}, t_{j-1}\} (t_i - t_{i-1})(t_j - t_{j-1}). \end{align*} \]

No limite, isso converge para uma integral que pode ser facilmente calculada:

\[ \begin{align*} \mathbb{E}\left[ \left(\sum_{j=1}^{n} W_{t_{j-1}} (t_j - t_{j-1})\right)^2\right] & \rightarrow \int_0^T\int_0^T \min\{t, s\} \;\mathrm{d}s\,\mathrm{d}t = \frac{1}{3}T^3. \end{align*} \]

Portanto,

\[ \int_0^T W_t \;\mathrm{d}t \]

é uma variável aleatória com média zero e variância \(T^3/3.\) Observe, finalmente, que os somatórios de Riemann são combinações lineares de variáveis aleatórias conjuntamente normais (normais multivariadas), portanto são, também, normais. No limite, obtemos uma variável aleatória normal, com média zero e variância \(T^3/3.\) Ou seja,

\[ \int_0^T W_t \;\mathrm{d}t \sim \mathcal{N}\left(0, \frac{T^3}{3}\right). \]

Processos integrais

Sob as mesmas hipóteses em \(f\) e \(\{X_t\}_{t\in [a, b]},\) podemos, também, considerar as integrais

\[ Z_t = \int_a^t f(s, X_s) \;\mathrm{d}s. \]

Naturalmente, \(Z_a = 0.\)

Para cada \(t \in [a, b],\) vimos, acima, que \(Z_t\) é uma variável aleatória no mesmo espaço de probabilidades do processo \(\{X_t\}_{t\in [a, b]}.\) Isso faz de \(\{Z_t\}_{t\in [a, b]}\) um processo contínuo.

Além disso, observe que, para quase todo \(\omega,\) os caminhos amostrais de \(\{Z_t\}_{t\in [a, b]}\) são dados por

\[ t \mapsto Z_t(\omega) = \int_a^t f(s, X_s(\omega)) \;\mathrm{d}s. \]

Como \(t \mapsto f(t, X_t(\omega))\) é contínuo, portanto, integrável, segue que cada caminho amostral é contínuo em \([a, b].\)

Por exemplo,

\[ Z_t = \int_0^t W_s \;\mathrm{d}s, \quad t \geq 0, \]

nos dá um processo estocástico Gaussiano \(\{Z_t\}_t,\) cujas marginais tem média zero e variância \(t^3/3.\)

Teorema fundamental

Seja, agora, \(\{Z_t\}_{t\in [a,b]}\) um processo estocástico com caminhos continuamente diferenciáveis, i.e. tais que, quase sempre, existe o limite

\[ X_t(\omega) = \frac{\mathrm{d}Z_t}{\mathrm{d}t}(\omega) = \lim_{\tau \rightarrow 0} \frac{Z_{t+\tau}(\omega) - Z_t(\omega)}{\tau} \]

para todo \(t\in [a, b],\) com \(t \mapsto X_t(\omega)\) contínuo.

As variáveis \(X_t\) são obtidas como limites pontuais de variáveis aleatórias, portanto são também variáveis aleatórias, já que o limite de funções reais mensuráveis é mensurável. Dessa forma, \(\{X_t\}_{t\in [a, b]}\) é um processo estocástico. Além disso, por hipótese, os seus caminhos amostrais são contínuos. Com isso, a integral de \(X_t\) está bem definida.

Finalmente, para cada \(\omega,\) podemos aplicar o Teorema Fundamental do Cálculo e obter

\[ Z_t = \int_0^t X_s \;\mathrm{d}s = \int_0^t \frac{\mathrm{d}}{\mathrm{d}t}Z_s \;\mathrm{d}s. \]

Integração por partes

Se \(\{X_t\}_t\) e \(\{Y_t\}_t\) são processos diferenciáveis, então \(\{X_tY_t\}_t\) também é diferenciável, com

\[ X_TY_T = X_0Y_0 + \int_0^T \left(\frac{\mathrm{d}X_t}{\mathrm{d}t}Y_t + X_t \frac{\mathrm{d}Y_t}{\mathrm{d}t}\right) \;\mathrm{d}t. \]

Portanto, vale a fórmula de integração por partes

\[ \int_0^T \frac{\mathrm{d}X_t}{\mathrm{d}t}Y_t \;\mathrm{d}t = X_TY_T - X_0Y_0 - \int_0^T X_t \frac{\mathrm{d}Y_t}{\mathrm{d}t} \;\mathrm{d}t \]

Integrais em outros sentidos

Podemos estender a integração acima em vários sentidos. Primeiramente, podemos manter a regularidade em \(f\) e relaxar a condição de continuidade quase certamente dos caminhos amostrais. Podemos pedir, por exemplo, que \(\{X_t\}_{t \in [a, b]}\) tenha média quadrática finita, i.e.

\[ \int_a^b \mathbb{E}\left[X_t^2\right] \;\mathrm{d}t < \infty. \]

Nesse caso, aproximamos o processo por processos contínuos, usando, por exemplo, molificação (convolução com uma aproximação da identidade), definimos a integral para esses aproximações contínuas e tomamos o limite das integrais.

Em outra direção, podemos relaxar as condições em \(f.\) Podemos pedir, por exemplo, que \(t \mapsto f(t, X_t(\omega))\) seja integrável a Riemann, sem necessariamente ser contínua. Também podemos pedir que seja apenas integrável à Lebesgue. Isso nos permite definir \(Z(\omega)\) pontualmente. A questão mais delicada passa a ser se \(Z\) é mensurável.

Uma solução mais geral para isso é não pensar em definir através de caminhos, mas através da integração de uma função. Isso nos leva ao conceito de

\[ Z = \int_a^b f(s, X_s) \;\mathrm{d}s, \]

como integral de Bochner. A ideia é enxergar \(s \mapsto f(x, X_s)\) como uma função de \(r\) em algum espaço de Banach (espaço normado completo), como \(L^2(\Omega),\) cuja norma é a da média quadrática. Buscamos, então, aproximar o integrando \(s \mapsto f(s, X_s)\) por funções passo e definir a integral como uma integral de Lebesgue com valores em \(L^2(\Omega).\) Essa teoria é bem mais delicada e não nos aprofundaremos nos detalhes. Um aspecto importante é que, sob as devidas condições, a integral é um limite de somas de funções simples:

\[ Z = \lim_n \sum_{j=1}^n f_j^n \chi_{E_j^n}(s) \;\mathrm{d}s, \]

onde \(f_j^n = f_j^n(\omega)\) são mensuráveis em \(L^2(\Omega)\) (i.e. de média quadrádica finita). As funções simples \(f^n = \sum_j f_j^n \chi_{E_j^n}\) aproximam \(t \mapsto f(t, X_t).\) O limite acime é no sentido de média quadrática.

\[ \mathbb{P}\left( \left( Z - \sum_{j=1}^n f_j^n \chi_{E_j^n}(s) \;\mathrm{d}s\right)^2\right) \rightarrow 0. \]

Last modified: November 04, 2024. Built with Franklin.jl, using the Book Template.