1.5. Do passeio aleatório ao movimento Browniano

Uma outra maneira de modelar o movimento Browniano é através de um processo conhecido como passeio aleatório, no caso em que consideramos escalas de tempo e de comprimento para os passos temporais e espaciais e quando tomamos os limites quando essas escalas vão para zero de forma apropriada. Louis Bachelier, cinco anos antes do ano miraculoso de Einstein, utilizou um processo que é essencialmente um passeio aleatório, em sua tese L. Bachelier, Théorie de la spéculation, Annales scientifiques de l'École Normale Supérieure, Serie 3, Volume 17 (1900), pp. 21-86, para justificar a forma da densidade de probabilidades de ações no mercado financeiro.

Vamos pensar em um passeio aleatório unidimensional, em um conjunto discreto \(\ell \mathbb{Z}\), onde \(\ell > 0\) é uma escala de comprimento. Usamos, também, uma escala de tempo \(\tau > 0\). Assumimos que, a cada passo de tempo \(\tau\), uma partícula pode se movimentar de uma distância exatamente \(\ell\), para a direita ou para a esquerda, com probabilidade \(1/2\) em cada sentido. A motivação é que, a cada passo de tempo, a partícula será bombardeada mais de um lado do que de outro, de maneira aleatória e independente. É uma situação bastante idealizada, porque não leva em consideração possíveis variações relativas nas quantidades de bombardeamentos e no tamanho do passo, nem do momento adquirido pela partícula.

Denotamos, então, por \(p_n(m)\) a probabilidade da partícula estar na posição \(x = m\ell\), no instante \(t = n\tau\). Naturalmente, \(0 \leq p_n(m) \leq 1\), com \(\sum_{m\in \mathbb{Z}} p_n(m) = 1\), para todo \(n = 0, 1, \ldots\).

Inicialmente, em \(t = 0\), consideramos que a partícula está na origem, de modo que \(p_0(0) = 1\) e \(p_0(m) = 0\), para \(m\ne 0.\) Vamos escrever isso, simetricamente, na forma

\[ p_0 = (\ldots, 0, 0, 1, 0, 0, \ldots). \]

Após o primeiro passo, temos \(p_1(\pm 1) = 1/2\) e o \(p_1(m) = 0\) para \(m \neq \pm 1\). Ou seja,

\[ p_1 = (\ldots, 0, 1/2, 0, 1/2, 0, \ldots). \]

No instante seguinte,

\[ p_2 = \left(\ldots, 0, \frac{1}{4}, 0, \frac{1}{2}, 0, \frac{1}{4}, 0, \ldots \right), \]

e assim por diante:

\[ p_3 = \left(\ldots, 0, \frac{1}{8}, 0, \frac{3}{8}, 0, \frac{3}{8}, 0, \frac{1}{8}, 0, \ldots\right), \] \[ p_4 = \left(\ldots, 0, \frac{1}{16}, 0, \frac{5}{16}, 0, \frac{3}{16}, 0, \frac{5}{16}, 0, \frac{1}{16}, 0, \ldots\right), \] \[ \vdots \]

Podemos continuar e buscar um padrão para a sequência, mas podemos deduzir os valores de uma forma mais simples.

Para uma partícula chegar na posição \(x = \ell m\), ela deve dar \(i\) passos para a direita e \(j\) passos para a esquerda, com \(i - j = m\). Para isso acontecer no passo \(n\), devemos ter \(i + j = n\). Logo, devemos ter \(i = (n + m)/2\) passos para a direita e \(j = (n - m)/2\) passos para a esquerda. Cada passo ocorre com probabilidade \(1/2\). Assim, após \(n\) passos, cada caminho ocorre com probabilidade \(1/2^n\). Resta saber quantos caminhos existem até um determinado ponto \(x = \ell m\).

Naturalmente, não há caminho caso \(m < -n\) ou \(m > n\). E há apenas um caminho para \(m = -n\) e \(m = n\). Mas pode haver vários caminhos ligando a outros pontos. Ou nenhum. De fato, se \(n\) e \(m\) tiverem paridades diferentes, então \(n + m\) é ímpar e não tem como darmos \(i = (n + m)/2\) passos para a direita, nem \(j = (n - m)/2\) para a esquerda. Resta, agora, saber o número de caminhos possíveis quando \(n\) e \(m\) têm a mesma paridade e \(|m| < n\).

Para ver isso, vamos focar no fato de que, para chegarmos em \(x = m\ell\) após \(n\) passos, devemos dar \((n + m)/2\) passos para a direita. Se, por exemplo, \(n = 6\) e \(m = 2\), devemos dar \((n + m)/2 = 4\) passos para a direita, mas eles podem acontecer em quaisquer quatro dos seis momentos entre \(\tau\) e \(n\tau\). Isso nos dá \(\left(\begin{matrix} n \\ (n + m)/2 \end{matrix}\right) = \left(\begin{matrix} 6 \\ 4 \end{matrix}\right) = 15\) possibilidades de caminhos, de um total de \(2^6\). Ou seja, \(p_6(2) = 15 / 64\). Mais geralmente, temos

\[ p_n(m) = \frac{1}{2^n}\frac{n!}{\left(\frac{n + m}{2}\right)!\left(\frac{n-m}{2}\right)!}. \]

Podemos reconhecer isso como a distribuição binomial

\[ p_n(m) = \left(\begin{matrix} n \\ k \end{matrix}\right) p^k (1-p)^{n-k}, \qquad k = k(n, m) = \frac{n + m}{2}, \quad p = \frac{1}{2}, \]

nos dando a probabilidade de \((n+m)/2\) sucessos em \(n\) sorteios de Bernoulli, com probabilidade \(p = 1 - p = 1/2\) de cada realização, com as realizações sendo os passos \(\ell\) e \(-\ell\).

Denotando por \(X_n\) a posição da partícula no passo \(n \in \mathbb{Z}^* = \{0, 1, 2, \ldots\}\), temos que \(\{X_n\}_{n \in \mathbb{N}}\) é um processo estocástico discreto, com cada passo \(\Delta X = X_{n + 1} - X_n \sim \mathrm{Bernoulli}(\pm \ell, 1/2)\), representando o teste de Bernoulli com valores possíveis \(\pm \ell\). Temos, ainda, que cada \(X_n\) é uma distribuição binomial com possíveis valores \(-n\ell, \ldots, n\ell\), que podemos denotar por

\[ X_n \sim B(\{-n\ell, \ldots, n\ell\}, 1/2), \]

com \(X_0 = 0\) quase sempre, ou seja,

\[ X_0 \sim \delta_0. \]

Limite contínuo

Assintoticamente, temos, pela fórmula de Stirling, que \(k! \simeq \sqrt{2\pi k} (k / e)^k\), quando \(k \rightarrow \infty\). Mais precisamente, vale a desigualdade

\[ \sqrt{2\pi k} \left( \frac{k}{e} \right)^k e^{\frac{1}{12k+1}} < k! < \sqrt{2\pi k} \left( \frac{k}{e} \right)^k e^{\frac{1}{12k}}, \quad \forall k\in\mathbb{N}. \]

Por exemplo, para \(k = 8\), temos \(e^{1/12k} \approx 1.01047\), de modo que o erro relativo já é da ordem de 1%, diminuindo rapidamente conforme \(k\) aumenta.

A ideia, então, é tomar o limite quando \(n \rightarrow \infty.\) Por sua vez, \(m\) pode ou não ir para infinito também, mas vamos manter sempre \(|m \ll n.\) Isso porque, assumindo, \(n \gg 1\) e \(|m| \ll n,\) temos também

\[ n \pm m \gg 1. \]

Com isso,

\[ p_n(m) \simeq \frac{1}{2^n}\frac{\sqrt{2\pi n} (n / e)^n}{\sqrt{\pi (n + m)} ((n + m) / 2e)^{(n + m)/2}\sqrt{\pi (n - m)} ((n - m) / 2e)^{(n - m)/2}}. \]

Lembrando que isso é quando \(n + m\) é par, caso contrário \(p_n(m) = 0\). Simplificando, obtemos

\[ p_n(m) \simeq \sqrt{\frac{2n}{\pi(n^2 - m^2)}}\frac{n^n}{(n + m)^{(n + m)/2}(n - m)^{(n - m)/2}}. \]

Decompondo a potência do numerador em \(n^n = n^{(n+m)/2}n^{(n-m)/2},\) obtemos

\[ p_n(m) \simeq \sqrt{\frac{2n}{\pi(n^2 - m^2)}}\left(\frac{n}{n+m}\right)^{(n + m)/2}\left(\frac{n}{n-m}\right)^{(n - m)/2}. \]

Invertendo a fração, temos

\[ p_n(m) \simeq \sqrt{\frac{2n}{\pi(n^2 - m^2)}}\left(\frac{n+m}{n}\right)^{-(n + m)/2}\left(\frac{n-m}{n}\right)^{-(n - m)/2}. \]

Observe que

\[ \left(\frac{n+m}{n}\right)^{-(n + m)/2}\left(\frac{n-m}{n}\right) = e^{\displaystyle -\frac{n + m}{2}\ln\left(1 + \frac{m}{n}\right) - \frac{n - m}{2}\ln\left(1 - \frac{m}{n}\right)}. \]

Sendo \(|m| \ll n\), obtemos, pela expansão \(\ln(1 + x) = 0 + x - x^2/2 + \mathcal{O}(x^3) \approx x - x^2/2\),

\[ \left(\frac{n+m}{n}\right)^{-(n + m)/2}\left(\frac{n-m}{n}\right) \approx e^{\displaystyle -\frac{n + m}{2}\left(\frac{m}{n} + \frac{1}{2}\frac{m^2}{n^2}\right) - \frac{n - m}{2}\left(-\frac{m}{n} + \frac{1}{2}\frac{m^2}{n^2}\right)} = e^{\displaystyle -\frac{m^2}{2n}}. \]

Portanto,

\[ p_n(m) \simeq \sqrt{\frac{2n}{\pi(n^2 - m^2)}} e^{\displaystyle -\frac{m^2}{2n}}. \]

Por outro lado, usando novamente que \(n \gg |m|,\) temos \(|m|/n \ll 1\), de modo que

\[ n^2 - m^2 = n^2\left(1 - \frac{m^2}{n^2}\right) \approx n^2. \]

Logo,

\[ \sqrt{\frac{2n}{\pi(n^2 - m^2)}} \approx \sqrt{\frac{2}{\pi n}}. \]

Portanto, para \(n \gg 1\) e \(|m| \ll n\), com \(n+m\) par, obtemos

\[ p_n(m) \approx \sqrt{\frac{2}{\pi n}}e^{\displaystyle -\frac{m^2}{2n}}. \]

Passando para o contínuo, com \(t \approx n \tau\) e \(x \approx m \ell\) e interpretando \(p_n(m)\) como a probabilidade da partícula estar no intervalo \((m-1/2)\ell \leq x \leq (m+1/2)\ell\), no instante \(t\) e sendo \(p(t, x)\) a densidade de probabilidades no instante \(t\), temos

\[ \int_{(m-1/2)\ell}^{(m+1/2)\ell} p(t, x)\;\mathrm{d}x = p_n(m). \]

Mas \(p_n(m)\) pode ser nulo quando \(n+m\) é ímpar, ou seja,

\[ \int_{(m-1/2)\ell}^{(m+1/2)\ell} p(t, x)\;\mathrm{d}x = p_n(m) \begin{cases} = 0, & n + m \textrm{ ímpar,} \\ \approx \sqrt{\frac{2}{\pi n}}e^{\displaystyle -\frac{m^2}{2n}}, & n + m \textrm{ par.} \end{cases} \]

Para garantir que obtemos a probabilidade estimada acima, podemos integrar a densidade no intervalo "dobrado" \((m-1)\ell \leq x \leq (m+1)\ell\). Assim, obtemos, aproximadamente,

\[ 2\ell p(t, x) \approx \int_{(m-1)\ell}^{(m+1)\ell} p(t, x)\;\mathrm{d}x = p_n(m) \approx \sqrt{\frac{2}{\pi n}}e^{-\frac{m^2}{2n}} = \sqrt{\frac{2\tau}{\pi t}}e^{-\frac{\tau x^2}{2t\ell^2}}, \]

pelo menos para \(n \gg 1,\) \(|m| \ll n\), ou seja, em particular, para

\[ \frac{|x|}{\ell} \ll \frac{t}{\tau}. \]

Logo, nessa região,

\[ p(t, x) \approx \sqrt{\frac{\tau}{2\ell^2 \pi t}} e^{-\frac{\tau x^2}{2t\ell^2}} = \frac{1}{\sqrt{4\pi a t}} e^{-\frac{x^2}{4a t}}, \]

onde fizemos

\[ a = \frac{\ell^2}{2\tau}. \]

Obtivemos, assim, que, para cada \(t\), a função \(x \mapsto p(t, x)\) é aproximadamente uma Gaussiana com variância \(\sigma^2 = 2at\).

Observe que podemos pensar esse processo limite como tomando \(\ell, \tau \rightarrow 0\) mas mantendo a relação \(a = \ell^2/2\tau\) fixa. Ou seja, \(\tau\) converge para zero muito mais rápido do que \(\ell\). Em particular, fixados \(x \approx m\ell\) e \(t \approx n\tau\), e fazendo \(\ell, \tau\) irem para zero, com \(a = \ell^2/2\tau\) fixo, vemos que \(m, n\rightarrow \infty,\) com \(n\) crescendo muito mais rápido que \(m\), garantindo a condição de que \(|m| \ll n\). Assim, a aproximação acima para \(p_n(m)/2\ell\) converge, de fato, para \(p(t, x)\).

A condição em \(t, x\) pode ser escrita como

\[ \ell \ll |x| \ll \frac{\ell}{\tau} t = \frac{a}{2\ell} t. \]

À medida em que \(\ell, \tau \rightarrow 0\) com \(a\) fixo, temos também \(a/2\ell \rightarrow \infty\), de modo que, no limite, a aproximação vale para todo \(x\in\mathbb{R}\) e para \(t > 0\) arbitrário. Ou seja, obtemos uma convergência em quase toda a parte e deduzimos que a aproximação normal acima vale em todo \((t, x) \in (0, \infty) \times \mathbb{R}.\)

Finalmente, observe a semelhança entre a definição de \(a\) acima e de \(D\) no modelo de Einstein, onde, no primeiro caso, o passo é fixo, enquanto que, no segundo caso, o passo é uma variável aleatória:

\[ a = \frac{\ell^2}{2\tau}, \qquad D = \frac{\mathbb{E}(\ell^2)}{2\tau}. \]

De uma forma mais rigorosa, podemos definir, para cada \(\tau, \ell > 0,\) as distribuições constantes por parte

\[ \tilde p_{\tau, \ell}(t, x) = \frac{p_m(n)}{2\ell} = \frac{1}{2\ell}\frac{1}{2^n}\frac{n!}{\left(\frac{n + m}{2}\right)!\left(\frac{n-m}{2}\right)!}, \quad (m-1)\ell \leq x < (m+1)x, \;n\tau \leq t < (n+1)\tau, \;n\in \mathbb{Z}^*, \;m\in \mathbb{Z}, \;n+m \textrm{ par,} \]

ou as suas versões \(p_n(t, x)\) lineares por parte. Assim, podemos mostrar que

\[ \lim_{\tau, \ell \rightarrow 0, \tau/2\ell^2 = a} p_{\tau, \ell}(t, x) = p(t, x), \]

uniformemente em subconjuntos compactos de \((0, \infty) \times \mathbb{R}.\)

Processo limite do passeio aleatório

Pensando nesse limite contínuo, e abusando da notação, já que já definimos \(X_n\), podemos escrever \(X_t\) como a variável aleatória indicando a posição da partícula no instante \(t \sim n\tau\), associado à distribuição limite \(p(t, x).\)

Equação de difusão

Podemos reconhecer, pela fórmula acima, que a evolução, no tempo, da distribuição de probabilidades \(p(t, x)\) para a posição da partícula satisfaz a equação de difusão (e.g. equação do calor)

\[ \frac{\partial p}{\partial t^2} = a\frac{\partial p}{\partial x^2}, \]

onde \(a\) representa o coeficiente de difusão (térmica, no caso do calor).

Distância média percorrida

Como no modelo de Einstein, sendo \(x \mapsto p(t, x)\) uma Gaussiana com variância \(\sigma^2 = 2at\), a distância quadrática média percorrida pelas partículas, após um instante \(t\), é exatamente esse desvio padrão:

\[ \sqrt{\mathbb{E}[X_t^2]} = \left( \int_{\mathbb{R}} x^2 p(t, x) \;\mathrm{d}x \right)^{1/2} = \sigma = \sqrt{2 a t}. \]

Se, por outro lado, observarmos \(\mathbb{E}(|X_t|)\), obtemos uma distância da mesma ordem: \(\mathbb{E}(|X_t|) = 2\int_0^\infty x p(t, x) \;\mathrm{d}x = \sigma\sqrt{2/\pi}\).

Incrementos

Em um instante \(t\), a distribuição normal \(\mathcal{N}(0, 2at)\) nos dá a probabilidade de encontrarmos a partícula em uma determinada posição (tendo ela partido de \(x = 0\) em \(t = 0\)). Mas dada a posição da partícula no instante \(t\), a posição dessa partícula em um instante \(t + \Delta t\), com \(\Delta t > 0\) não é dada por \(\mathcal{N}(0, 2a(t+\Delta t))\) pura e simplesmente. Temos, na verdade, uma probabilidade condicionada.

Pensando, novamente, no passeio aleatório, podemos imaginar um novo processo iniciando-se em \(x = X_t\) e caminhando para \(x \pm \ell\) no instante \(t + \tau\) e para algum ponto entre \(x - n\ell \leq x + m\ell \leq x + n\ell\), em instantes \(t + n\tau\). Assim, o incremento \(\Delta X = X_{t + \Delta t} - X_t\) é dado, novamente, por um passeio aleatório, só que começando de \(X_t\) e durando um intervalo de tempo \(\Delta t\). Ou seja, a lei de probabilidades para a posição \(X_{t + \Delta t}\) da partícula dado \(X_t\) é

\[ X_{t + \Delta t} \sim \mathcal{N}(X_t, 2a\Delta t) = X_t + \mathcal{N}(0, 2a\Delta t). \]

Ou seja, a lei de probabilidades do incremento é

\[ \Delta X = X_{t + \Delta t} - X_t \sim \mathcal{N}(0, 2a\Delta t). \]

Caminhos

Como no modelo de Einstein, podemos ter, no limite, caminhos se deslocando cada vez mais rápido. De fato, ao longo de \(n\) passos de tempo \(\tau\) até um instante \(t\), podemos ter exatos \(n\) passos \(\ell\) no mesmo sentido, digamos até \(x = n\ell\), de modo que a velocidade é \(x/t = \ell/\tau\). Fazemos \(\ell, \tau \rightarrow 0\), com \(a = \ell^2/2\tau\) constante, enquanto aumentamos \(n\) e \(m\) para chegarmos ao ponto mais longe possível \(x\), no mesmo instante \(t\). Assim, temos a velocidade \(v = x/t = \ell/\tau = \sqrt{2a\tau}/\tau = \sqrt{2a/\tau} \rightarrow \infty\). Ou seja, não há como limitar a velocidade dos caminhos.

Porém, como feito no modelo de Einstein, é possível mostrar que, com probabilidade um, os caminhos são Hölder contínuos, com expoente arbitrariamente próximo de 1/2.

Diferenças finitas

Uma outra maneira de se trabalhar o limíte contínuo do passeio aleatório é via diferenças finitas. Pense em \(p(t, x) \sim p_n(m)\) como uma função densidade de partículas, como se cada \(m\in \mathbb{N}\) representasse um sítio, com um certo número \(u_n(m)\) de partículas, cuja densidade é \(p_n(m) = u_n(m) / U\), onde \(U\) é o número total de partículas. A cada passo de tempo, em média metade das partículas em um sítio \(m\) se encaminha para o sítio \(m-1\) e a outra metade, para o sítio \(m+1\). Por um outro ponto de vista, todas as partículas de um determinado sítio vão para os sítios vizinhos e metade das partículas de cada um dos sítios vizinhos se encaminha para aquele sítio. Ou seja, o total \(u_{n+1}(m)\) de partículas no sítio \(m\), no passo \(n+1\), é inteiramente constituído pelas partículas advindas dos sítios vizinhos, de forma que

\[ u_{n+1}(m) = \frac{1}{2}u_n(m-1) + \frac{1}{2}u_n(m+1). \]

Subtraindo \(u_n(m)\) dos dois lados, multiplicando a equação resultante por \(1/\tau = 2a/\ell^2\) e dividindo-a por \(U\), obtemos

\[ \frac{p_{n+1}(m) - p_n(m)}{\tau} = a\frac{p_n(m+1) - 2p_n(m) + p_n(m-1)}{\ell^2} \]

No limite quando \(\tau, \ell \rightarrow 0\), com \(a = \ell^2/2\tau\) constante e com \(x \sim m\ell\) e \(t \sim n\tau\), obtemos a equação em derivadas parciais

\[ \frac{\partial p}{\partial t} = a\frac{\partial^2 p}{\partial x^2}. \]

Exercícios

  1. Considere um passeio aleatório em três dimensões, onde o espaço é \(\ell \mathbb{Z}^3\). Cada passo pode ser em qualquer direção, com oito possíveis destinos, \((\pm \ell, \pm \ell, \pm \ell)\), cada um com probabilidade \(1/2^3 = 1/8\). Mostre que, no limite, a densidade de probabilidades \(p(t, \mathbf{x})\) da posição da partícula é dada por

\[ p(t, \mathbf{x}) = \frac{1}{(4\pi a t)^{3/2}} e^{-\frac{|\mathbf{x}|^2}{4Dt}}. \]

onde \(\mathbf{x} = (x, y, z)\), \(|\mathbf{x}| = \sqrt{x^2 + y^2 + z^2}\) e \(a\) é como no caso unidimensional.

  1. Uma versão bidimensional pode ser feita com passos dados por \(\ell(\cos\theta, \sin\theta)\), com \(\ell > 0\) fixo indicando o tamanho do passo e \(\theta\) uma variável aleatória com probabilidade uniforme em \([0, 2\pi]\) indicando a direção do passo. Um passeio aleatório com \(n\) passos nos leva a

\[ (X_n, Y_n) = \ell \sum_{i = 1, \ldots, n} (\cos\theta_i, \sin\theta_i). \]

onde \(\theta_i\) são \(n\) realizações da variável ângulo. Como \(\theta\) segue uma distribuição uniforme, temos \(\mathbb{E}(\cos\theta) = \mathbb{E}(\sin\theta) = 0\). Com isso, mostre que

\[ \mathbb{E}((X_n, Y_n)) = (0, 0). \]

Mostre, ainda, usando também as relações \(\cos^2\theta = (1 + \cos(2\theta))/2\) e \(\sin^2\theta = (1 - \cos(2\theta))/2\), que

\[ \mathbb{E}(X_n^2 + Y_n^2) = n \frac{\ell^2}{2}. \]

Ou seja, a média quadrática da distância cresce linearmente com o número de passos.



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