9.4. Fórmula de Feynman-Kac e a equação retrógrada de Kolmogorov

Esta é uma fórmula útil para se calcular, por exemplo, esperanças de processos estocásticos. Veremos, em particular, como utilizar essa fórmula para estimar a convergência (fraca) de métodos numéricos para equações estocásticas.

Fórmula

Em muitos casos práticos, conhecemos o valor atual \(X_\tau = \xi\) de um de um processo estocástico e queremos estimar o valor esperado \(\mathbb{E}[X_T; X_\tau = \xi]\) em um tempo futuro \(T > \tau,\) ou, mais geralmente, \(\mathbb{E}[\Phi(X_T); X_\tau = \xi],\) para algum momento \(\Phi.\) O objetivo é fazer isso através de uma função \(u=u(t, x)\) que seja solução de uma equação a derivadas parciais (EDP) apropriada.

Observe que, pela fórmula de Itô,

\[ \begin{align*} u(T, X_T) & = u(\tau, X_\tau) + \int_\tau^T \left(u_t(t, X_t) + u_x(t, X_t)f(X_t) + \frac{1}{2}u_{xx}(t, X_t)g(X_t)^2\right)\;\mathrm{d}t \\ & \qquad + \int_\tau^T u_x(t, X_t)g(X_t)\;\mathrm{d}W_t. \end{align*} \]

Ao tomarmos o valor esperado, condicionada a \(X_\tau = \xi,\) e considerando que a integral estocástica tem esperança zero, obtemos

\[ \mathbb{E}[u(T, X_T); X_\tau = \xi] = u(\tau, \xi) + \int_\tau^T \mathbb{E}\left[ u_t(t, X_t) + u_x(t, X_t)f(X_t) + \frac{1}{2}u_{xx}(t, X_t)g(X_t)^2; X_\tau = \xi\right]\;\mathrm{d}t. \]

A esperança no integrando acima é, em geral, de difícil cálculo. A ideia é considerar uma EDP em que esse termo se anule, ou seja, considerar \(u(t, x)\) tal que

\[ u_t(t, x) + u_x(t, x)f(x) + \frac{1}{2}u_{xx}(t, x)g(x)^2 = 0. \]

Para essa \(u=u(t, x),\) obtemos

\[ \mathbb{E}[u(T, X_T); X_\tau = \xi] = u(\tau, \xi). \]

Observe que a equação para \(u\) parece uma equação do calor mas está com o sinal "trocado". Isso implica em ela ser mal posta. Mas isso no modo clássico de resolvê-la para a frente. Ela está bem posta ao buscarmos resolvê-la para trâs no tempo. Mais precisamente, ao fazermos a mudança de variável \(t \mapsto -t,\) a equação se torna uma equação parabólica clássica. Esse tipo de equação com sinal "trocado" aparece comumente em problemas de otimização. É o problema dual ao de evolução para frente.

Bom, mas o que isso significa no nosso caso? A ideia é que podemos impor uma condição final

\[ u(T, x) = \Phi(x), \]

para o momento desejado \(\Phi,\) em seguida resolver "para trás no tempo" para obter \(u(\tau, \xi)\) e encontrar o desejado valor esperado

\[ \mathbb{E}[\Phi(X_T); X_\tau = \xi] = \mathbb{E}[u(T, X_T); X_\tau = \xi] = u(\tau, \xi). \]

Em resumo, considerando a equação diferencial estocástica

\[ \mathrm{d}X_t = f(X_t)\;\mathrm{d}t + g(X_t)\;\mathrm{d}W_t, \]

com condição inicial

\[ X_\tau = \xi \]

dada em um instante \(\tau\in\mathbb{R},\) podemos encontrar o momento

\[ \mathbb{E}[\Phi(X_T); X_\tau = \xi] \]

em um instante futuro \(T > \tau,\) para alguma \(\Phi\) dada, resolvendo a EDP

\[ u_t(t, x) + u_x(t, x)f(x) = - \frac{1}{2}u_{xx}(t, x)g(x)^2, \]

no intervalo \(\tau \leq t \leq T,\) em \(x\in \mathbb{R},\) dada a condição final

\[ u(T, x) = \Phi(x), \]

em \(x\in\mathbb{R},\) e encontrando

\[ \mathbb{E}[\Phi(X_T); X_\tau = \xi] = u(\tau, \xi). \]

Essa é a fórmula de Feynman-Kac.

Esta foi a visão de Mark Kac, um probabilista americano. Feynman, por sua vez, buscava o caminho contrário, ou seja, resolver equações da mecânica quântica, através de caminhos, com suas integrais de caminho (path integrals), com o agravante dessas equações serem complexas. A formulação acima, de Feynman-Kac, é feita rigorosa no contexto real.

Equação retrógrada de Kolmogorov

A fórmula de Feynman-Kac é baseada na equação

\[ u_t(t, x) + f(x)u_x(t, x) + \frac{1}{2}g(x)^2u_{xx}(t, x) = 0. \]

Essa equação está diretamente relacionada à equação retrógrada de Kolmogorov, dada por

\[ v_t(t, x) = f(x)v_x(t, x) + \frac{1}{2}g(x)^2v_{xx}(t, x), \]

com condição inicial

\[ v(0, x) = \Phi(x). \]

Observe a diferença de sinal. Essa equação foi obtida por Kolmogorov (posteriormente e de maneira independente) para a função \(v=v(t,x)\) definida por (considerando \(\tau = 0\))

\[ v(t, x) = \mathbb{E}\left[ \Phi(X_t); X_0 = x\right] \]

Note que

\[ v(0, x) = \mathbb{E}\left[\Phi(X_0); X_0 = x\right] = \Phi(x) = u(T, x). \]

e que

\[ v(T, x) = \mathbb{E}\left[ \Phi(X_T); X_0 = x\right] = u(0, x). \]

Pela EDP, vemos que

\[ v(t, x) = u(T - t, x). \]

Ou seja, \(v=v(t, x),\) em si, evolui para frente no tempo, mas representa uma evolução retrógrada. (Vale ressaltar que, em alguns textos, a equação denominada de equação retrógrada de Kolmogorov é aquela para \(u,\) mas a maioria a considera como sendo a equação para \(v.\)) Ou seja, é apenas uma outra maneira de ver a equação de Feynman-Kac.



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