2.3. Variáveis aleatórias contínuas

Uma variável aleatória contínua assume valores em \(\mathbb{R}.\) A probabilidade de um determinado valor \(x\) ocorrer é expressa por

\[ \mathbb{P}(X = x). \]

Também podemos expressar a probabilidade de um certo conjunto \(E\) de valores ocorrer:

\[ \mathbb{P}(X \in E). \]

Em Teoria da Medida, escreveríamos isso simplesmente como \(\mathbb{P}(E).\) De qualquer forma, não é necessário escrever o conjunto de forma explícita. Por exemplo, se quisermos saber a probabilidade da variável aleatória ser positiva, podemos escrever

\[ \mathbb{P}(X > 0) \]

ao invés de \(\mathbb{P}(X \in (0, \infty)).\) Aqui, estamos representando \(E = \{ X > 0 \} = \{x \in \mathbb{R}; \;x > 0\} = (0, \infty).\)

A função acumulada de probabilidades é dada, como no caso discreto, por

\[ f(x) = \mathbb{P}(X \leq x), \quad x \in \mathbb{R}. \]

A função acumulada de probabilidade define unicamente a variável aleatória (a menos de um conjunto de medida nula).

Em muitos casos, podemos expressar uma probabilidade contínua em termos de uma função de densidade de probabilidades \(p(x),\) de tal forma que

\[ \mathbb{P}(X \in E) = \int_\mathbb{R} \chi_E(x) p(x) \;\mathrm{d}x = \int_E p(x) \;\mathrm{d}x, \]

onde \(\chi_E(x)\) é a função característica de um conjunto \(E,\) ou seja, vale \(1,\) se \(x\in E,\) caso contrário, vale \(0.\)

Se \(E = \{a \leq X \leq b},\) temos, em particular,

\[ \mathbb{P}(a \leq X \leq b) = \int_a^b p(x) \;\mathrm{d}x. \]

Necessariamente, a função densidade de probabilidades deve ser não negativa e ter massa 1:

\[ p(x) \geq 0, \qquad \int p(x) \;\mathrm{d}x = 1. \]

Observe que a função distribuição de probabilidades é a derivada da função acumulada de probabilidades. De fato, temos, formalmente,

\[ f(x) = \mathbb{P}(X \leq x) = \int_{-\infty}^x p(x) \;\mathrm{d}x, \]

de maneira que

\[ p(x) = \frac{\mathrm{d}f(x)}{\mathrm{d}x}. \]

Portanto, a função densidade de probabilidades só existe quando a função acumulada de probabilidades é derivável quase sempre. Esse resultado pode ser generalizado para contexto bem mais gerais de acordo com o Teorema de Radon-Nikodym.

Vejamos alguns exemplos de variáveis aleatórias contínuas.

Distribuição uniforme

Dado um intervalo finito \(I\subset \mathbb{R},\) a distribuição uniforme está associada a uma variável que pode assumir qualquer valor nesse intervalo, com a mesma probabilidade. A função de densidade de probabilidades é um múltiplo da função característica do intervalo \(I\):

\[ f(x) = \frac{1}{|I|}\chi_I(x) = \begin{cases} \displaystyle \frac{1}{|I|}, & x \in I, \\ 0, & x \notin I, \end{cases} \]

onde \(|I|\) é o comprimento de \(I,\) já que devemos ter massa um, \(\int f = 1.\) Observe que, como o intervalo \(I\) é contínuo, as chances de termos um valor específico \(x_0\) é nula. Mas as chances de termos um valor em um determinado subintervalo \(J\subset I\) são iguais à fração do comprimento desse intervalo no intervalo total, i.e.

\[ \mathbb{P}(X \in J) = \frac{|J|}{|I|} \]

Uma distribuição uniforme em um intervalo \(I\) é denotada por \(\mathcal{U}_I\) e escrevemos

\[ X \sim \mathcal{U}_I. \]

Por exemplo, caso \(I = [\alpha, \beta),\) então a variável aleatória \(X \sim \mathcal{U}_{[\alpha, \beta)}\) tem sua função densidade de probabilidades dada por

\[ f(x) = \begin{cases} \displaystyle \frac{1}{\beta - \alpha}, & \alpha \leq x < \beta, \\ 0, & x < \alpha \text{ ou } x \geq \beta. \end{cases} \]

Distribuição normal

A distribuição normal com média \(\mu\) e desvio padrão \(\sigma,\) ou seja, variância \(\sigma^2,\) é denotada por \(\mathcal{N}(\mu, \sigma^2).\) Sua função densidade de probabilidades é

\[ f(x) = \frac{1}{2\pi \sigma^2} e^{\displaystyle - \frac{x^2}{2\sigma^2}}. \]

Uma variável aleatória cuja distribuição é dada por uma normal é designada por

\[ X \sim \mathcal{N}(\mu, \sigma^2) \]

Vimos, por exemplo, nos modelos para o movimento Browniano, que a variável aleatória \(X_t\) para a posição da partícula no instante \(t\) é uma normal com média \(0\) e variância \(2Dt,\) para algum \(D > 0,\) ou seja

\[ X_t \sim \mathcal{N}(0, 2Dt), \quad t > 0. \]

Delta de Dirac

Um exemplo fundamental e que não possui função densidade de probabilidades é a distribuição delta de Dirac. Em termos de variáveis aleatórias, ela aparece quando o valor é dado com probabilidade 1, e.g. \(X = x_0\) com probabilidade 1. Nesse caso, temos

\[ \mathbb{P}(X = x_0) = 1, \qquad \mathbb{P}(X \neq x_0) = 0. \]

A distribuição de probabilidades associada a essa variável é exatamente a delta de Dirac no ponto \(x_0,\) denotada por \(\delta_{x_0}.\) Ou seja,

\[ X \sim \delta_{x_0}. \]

Vimos esse exemplo no caso do movimento Browniano, onde a posição inicial da partícula é a origem. Em termos de variáveis aleatórias, escrevemos \(X_0 = 0,\) quase certamente, i.e.

\[ X_0 \sim \delta_0. \]

A delta de Dirac também pode ser obtida como limite da distribuição normal, quando a variância converge para zero:

\[ \mathcal{N}(\mu, \sigma^2) \rightarrow \delta_\mu, \quad \text{quando } \sigma \rightarrow 0, \]

para qualquer \(\mu\) fixo (ou mesmo com \(\mu\) variando e convergindo para um determinado valor \(\mu_0,\) caso em que teríamos \(\delta_{\mu_0},\) no limite).

O limite acontece no sentido fraco (veremos melhor isso posteriormente), i.e. para qualquer função contínua limitada \(f:\mathbb{R} \rightarrow \mathbb{R},\) temos

\[ \mathbb{E}_{\mathcal{N}(\mu, \sigma^2)}(f) \rightarrow \mathbb{E}_{\delta_\mu}(f) = f(\mu); \]

Essa convergência fraca não implica na convergência \(\mathbb{P}_{\mathcal{N}(\mu, \sigma^2)}(E) \rightarrow \mathbb{P}_{\delta_0}(E),\) para qualquer conjunto mensurável \(E.\) De fato, seja \(\mu = 0,\) para simplificar, e considere \(A = [0, \infty)\) e \(B = (0, \infty).\) Então, \(\mathbb{P}_{\delta_0}(A) = 1\) e \(\mathbb{P}_{\delta_0}(B) = 0,\) enquanto que \(\mathbb{P}_{\mathcal{N}(0, \sigma^2)}(A) = \mathbb{P}_{\mathcal{N}(0, \sigma^2)}(B) = 1/2,\) para todo \(\sigma > 0.\) Tal convergência só acontece quando \(E\) é um conjunto de continuidade em relação a \(\delta_0,\) i.e. \(\delta_0(\partial E) = 0,\) o que não é o caso de \(A\) e \(B.\)



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