Análise dimensional é uma técnica clássica usada em engenharia e física para a obtenção de leis aproximadas para algum problema/fenômeno.
Essa análise se aplica, mais geralmente, a diversas áreas.
Uma formalização da técnica dada pela análise dimensional é o Teorema de Buckinham-Pi.
Nesse primeira parte sobre o assunto, vamos ver os conceitos de quantidade, unidade e dimensão.
Reduzir o número e a complexidade de variáveis que afetam um determinado fenômeno.
Fornecer uma intuição simples e objetiva da realidade, apesar de aproximada.
Benefício extra: fazer uma primeira validação de um modelo checando-se a sua consistência dimensional.
Uma quantidade é uma propriedade de um objeto (e.g. material, sistema, bem, serviço, etc.) que possa ser quantificado com alguma medida. Por exemplo, a altura de uma pessoa;
Essa medida de uma quantidade é expressa através de um valor (numérico) e uma unidade de medida. Por exemplo, um metro e oitenta de altura, denotado por ;
Cada unidade, ou quantidade, possui uma dimensão, com dada dimensão podendo ter várias unidades. Por exemplo, comprimento, denotado por , medido em unidades como metro , quilômetro , centímetro , etc.
Podemos somar ou subtrair quantidades com a mesma dimensão, mantendo a dimensão, mas não necessariamente a unidade. Por exemplo, ;
Podemos multiplicar e dividir dimensões diferentes, gerando novas dimensões. Por exemplo,
comprimento ao quadrado nos dá a dimensão de área; comprimento sobre tempo nos dá a dimensão de velocidade.
Da mesma forma, podemos multiplicar e dividir unidades e quantidades de dimensões diferentes. Por exemplo, é uma unidade de área e é uma quantidade medindo velocidade.
Mais pra frente veremos uma, das muitas possíveis, versões formais abstratas desses conceitos.
Como mencionado acima, podemos consider a altura como sendo uma propriedade de uma pessoa, com a dimensão de comprimento, que pode ser medida em unidades de metros, centímetros, pés, polegas, etc., e com um valor numérico apropriado. Por exemplo, a minha altura é de , onde é o símbolo para metros. A notação para a dimensão de comprimento é . Em outras unidades, posso escrever ou .
A pressão atmosférica é a pressão que sentimos devida à atmosfera da Terra. Ao nível do mar, na média ao redor da Terra, ela é de aproximadamente 1 atmosfera, ou , onde é, mais precisamente, a atmosfera padrão, que é definida como
Em geral, para cada problema em questão, podemos nos restringir a apenas um determinado conjunto de dimensões.
Por exemplo, para problemas mecânicos, basta considerarmos massa, comprimento e tempo.
No caso de problemas termo-mecânicos, devemos adicionar a temperatura.
Em finanças, consideramos uma dimensão monetária.
Em química, precisamos de uma dimensão para a quantidade de uma substância.
Em outros problemas, uma dimensão para a corrente elétrica, para luminosidade, etc.
Junto com a determinação de um conjunto de dimensões para um determinado problema, podemos escolher um conjunto de unidades para representar quantidades em cada dimensão.
Fixando as unidades, podemos abstrair os valores e facilitar os cálculos entre as quantidades.
Uma determinada escolha de unidades é chamada de sistema de unidades.
Por exemplo, o sistema MKS considera metros, quilograma e segundos para as dimensões de comprimento, massa e tempo, como exibido na tabela a seguir.
Grandeza | Unidades | Nome | Dimensão |
---|---|---|---|
comprimento | metro | ||
massa | quilograma | ||
tempo | segundos |
Em problemas termo-mecânicos, precisamos incluir a temperatura, usualmente medida em Kelvin, nos levando ao sistema
Grandeza | Unidades | Nome | Dimensão |
---|---|---|---|
comprimento | metro | ||
massa | quilograma | ||
tempo | segundos | ||
temperatura | kelvin |
Este sistema inclui ainda corrente elétrica, unidade para a quantidade de substância, e intensidade luminosa.
Grandeza | Unidades | Nome | Dimensão |
---|---|---|---|
comprimento | metro | ||
massa | quilograma | ||
tempo | segundos | ||
temperatura | kelvin | ||
corrente elétrica | ampére | ||
intensidade luminosa | candeia | ||
quantidade de substância | mole |
As dimensões e as unidades associadas às grandezas físicas são divididas em duas categorias: fundamentais (ou de base) e derivadas.
No sistema MKS, por exemplo, as dimensões fundamentais são comprimento, massa e tempo. A partir delas, podemos obter volume, área, velocidade, aceleração e densidade, por exemplo, com dimensões, respectivamente, de , , , e .
Mas essa classificação é arbitrária. Poderíamos considerar o volume como unidade fundamental, no lugar de comprimento, e obter o comprimento . Ou considerar ainda a densidade no lugar da massa e obter .
Associadas à escolha das dimensões fundamentais, temos as unidades fundamentais correspondentes, assim como as unidades derivadas.
Grandeza | Unidades | Dimensão | Nome |
---|---|---|---|
área | |||
volume | |||
velocidade | = | ||
aceleração | = | ||
força | = = | Newton | |
trabalho / energia | = = | Joule | |
pressão | = = | Pascal | |
densidade (massa específica) | = | ||
difusividade (de massa e térmica) | = |
Observe que o litro é uma unidade de volume igual a um decímetro cúbico, i.e. .
Para uma lista mais completa, veja Lista de grandezas físicas
Um outro sistema semelhante ao MKS é o CGS, onde as unidades tomadas para as dimensões de comprimento, massa e tempo são centímetro, grama e segundos.
Observe que eles representam as mesmas dimensões. Qualquer dimensão em um sistema é representável por uma dimensão (fundamental ou derivada, mas nesse caso sempre fundamental) no outro. Nesse casos, eles são ditos sistemas de mesma classe.
Sistemas da mesma classe são facilmente intercambiáveis. Podemos expressar qualquer quantidade possível em um ou em outro sistema. Por exemplo, como vimos acima, podemos representar uma distância de 2 metros como sendo de 200 centímetros. E uma densidade de como sendo de .
Uma quantidade é um conjunto de pares ordenados , onde é um valor numérico e é uma unidade, pertencente a um conjunto de unidades .
Em termos de notação, escrevemos como .
Uma hipótese fundamental é a de que existe uma relação de equivalência no conjunto das unidades, onde cada classe de equivalência é chamada de dimensão.
Em termos de notação, escrevemos a dimensão de uma unidade por .
Essa relação de equivalência se estende, naturalmente, às quantidades: . Dessa forma, a dimensão de uma quantidade é definida através da dimensão da sua unidade: .
Outra hipótese é a de que o conjunto de classes de equivalência possui uma operação de multiplicação com a qual é um grupo abeliano. O elemento neutro recebe uma terminologia especial, a de ser adimensional.
Nesse grupo formado pelo conjunto de classes de equivalência, também se assume que os inteiros agem "livremente" e "transitivamene" nele, ou seja, dados elementos e na classe, existe um único inteiro tal que .
Outra hipótese fundamental é a de que, em cada classe de equivalência, temos uma operação de adição sob a qual a classe de equivalência também forma um grupo abeliano.
Por fim, temos a hipótese de que quaisquer unidades e com a mesma dimensão estão relacionadas por uma transformação afim, ou seja, existem e tais que, para qualquer , temos
Na maioria dos casos, no entanto, as unidades escolhidas na prátia possuem uma relação linear, i.e. com .
Com as hipóteses acima, podemos comparar as magnitudes de quaisquer duas dimensões e com a mesma dimensão através da comparação de seu valores na mesma unidade, ou seja, comparando-se com , onde e são dados pela relação .
Das hipóteses de adição e de subtração, temos as propriedades , para quantidades de mesma dimensão, e , para quantidades de dimensões diferentes.
A adição se estende para quantidades de mesma dimensão: . Naturalmente, a dimensão é preservada: .
As hipóteses do conjunto de unidades ser um grupo abeliano (em particular, qualquer dimensão possui inversa , com adimensional) e dos racionais agirem livremente nele (em particular, dados e existe o elemento e é unico, de forma que podeos chamamá-lo de .)
Essa multiplicação se estende naturalmente a unidades e quantidades.
No caso de unidades, definimos , com , assim como a inversa multiplicativa , sendo que , representando a adimensionalidade.
No caso de quantidades, temos e , quando .
As funções trigonométricas, a função exponencial, o logaritmo e outras funções transcendentais não são estendidas diretamente a quantidades, unidades e dimensões.
Elas podem ser definidas por geometria ou por séries de potências ou por outras maneiras não puramente algébricas e que não estão plenamente disponíveis no contexto dimensional.
Elas só se aplicam a quantidades adimensionais.
O logaritmo, no entanto, pode ser dado um certo sentido em geral, mas é preciso ter cuidado.
De maneira apropriada, podemos associar o grupo de dimensões com um espaço vetorial sobre os racionais.
Para diferenciar o conjunto de dimensões munido das operações de grupo, que denotamos por , do mesmo conjunto munido das operações vetoriais, vamos denotar este último por .
A cada , vamos denotar por essa dimensão vista como elemento de . (Imagine "mergulhar" em , ou trasformar em ... 😉)
Dados um racional e dimensões , e em , definimos o produto escalar e a soma vetorial em respectivamente por
Verifique, de fato, que isso faz de um espaço vetorial sobre os racionais!
E observe que, com essa representação, a transformação tem a "cara" (propriedades algébricas) de um logaritmo.
Por conta disso, podemos renomear essa transformação para :
Observe o meu cuidado em não escrever , mas , para ressaltar que ele não é o mesmo operador que age concretamente nos reais (e nos complexos, quaternions, etc.)
No sistema MKS, só consideramos as dimensões de comprimento, massa e tempo: , e .
A partir delas, temos velocidade , aceleração , área , volume , densidade , energia e assim por diante.
Claramente, isso tem uma aspecto de base, onde , e geram todas as outras dimensões desse sistema.
Essa associação fica mais clara quando usamos a representação logarítmica anterior, onde podemos escrever
A mesma ideia pode ser estendida a quantidades e unidades, afinal eles também tem essa estutura de grupo abeliano para a multiplicação.
Podemos considerar de uma unidade e, associado a isso, de uma quantidade.
Mas cuidado!:
A operação deve ser vista meramente como uma representação da unidade , não como números reais sendo somados. Essa adição mora em um espaço vetorial abstrato.
Da mesma forma para quantidades, mas, mais ainda, nem pensar em fazer . Isso não tem o menor sentido. Não podemos "quebrar" a unidade em dois objetos separados e operar em cada um deles, nem tampouco somar um número real com essa representação abstrata da unidade metros.
E não confundir com !
O conjunto de unidades também pode ter uma representação mais concreta.
Cada conjunto de equivalência de unidade pode ser visto como um subespaço afim unidimensional sobre os reais.
Na maioria dos casos, simplesmente como um subespaço.
Dadas duas unidades e na mesma classe, ou seja, de mesma dimensão, existem um e um fator tais que, qualquer , podemos sempre escrever como , para algum .
É essencialmente como se cada unidade se comportasse como uma base para o subespaço.
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