empírico
análise dimensional
ad-hoc
mecanicista
heurístico
fundamental
O processo de modelagem pode seguir vários caminhos:
empírico: através da observação, seja de fenômenos naturais ou de experimentos controlados
análise dimensional: baseado na análise das dimensões de quantidades envolvidas no fenômeno
ad-hoc: introduzida sem muito fundamento e sem muita capacidade de generalização/extrapolação
mecanicista: baseado em mecanismos envolvidos no fenômeno
heurístico: baseada em mecanismos qualitativos (e.g. os termos de interação entre duas espécies)
fundamental: baseado em relações/modelos bem estabelecidas e "precisos" (e.g. mecânica, termodinâmica, lei ação de massas)
Vale ressaltar que vários desses processos estão interligados.
Como exemplo de modelagem empírica, vamos considerar um problema em alometria.
Alometria trata do estudo entre as escalas de diversos atributos de um dado organismo. Por exemplo, relação entre tamanho do coração e a idade do indivíduo, entre o comprimento e a massa de um organismo, entre sua capacidade de locomoção e o tamanho dos membros de um animal – asas, patas, pernas, barbatanas).
A tabela abaixo mostra dados da evolução da massa e do comprimento da Tilápia-do-nilo criada em cativeiro:
Days of culture | 1 | 20 | 40 | 60 | 80 | 100 |
---|---|---|---|---|---|---|
Massa (g) | 28.6±4.2 | 88.6±1.4 | 177.6±3.6 | 313.8±12.8 | 423.7±12.7 | 774.4±23.6 |
Comprimento (cm) | 10.9±0.4 | 15.3±0.4 | 19.1±0.2 | 22.8±0.5 | 26.3±0.6 | 31.3±0.4 |
Fontes:
Gayon, J. (2000) History of the Concept of Allometry. American Zoologist 40: 748-758
Shingleton, A. (2010) Allometry: The Study of Biological Scaling. Nature Education Knowledge 3(10):2
Analisando os dados de comprimento e de peso da tilápia-do-nilo, obtemos a seguinte relação aproximada, que pode ser considerada um lei empírica para o seu crescimento:
Diversos estudos como esse, iniciados no final do século XIX, levaram a uma lei geral de escalas entre duas quantidades e na forma de uma lei de potência
Na análise dimensional, busca-se obter uma relação entre os parâmetros envolvidos em um determinado problema.
Usualmente, essa analise vem embutida com uma hipótese de universalidade, assumindo que o problema só depende dos parâmetros escolhidos.
Como exemplo, considere um pêndulo com haste de comprimento e massa .
Sob a ação da força gravitacional, cuja aceleração é denotada por , o pêndulo oscila, com um período .
Buscamos entender como esse período depende dos outros parâmetros.
A fórmula obtida pode inclusive ser utilizada para se estimar um dos parâmetros em função dos outros.
Cada sistema possui um sistema de dimensões.
No caso de um sistema mecânico, temos as dimensões de comprimento , massa e tempo .
Outros sistemas podem incluir unidades de temperatura , corrent elétrica , intensidade luminosa , etc..
Associado a isso, temos um sistema de unidades. Por exemplo, o sistema MKS utiliza as unidades de metro, quilograma e segundo para as dimensões de comprimento, massa e tempo, respectivamente, mas que não entram explicitamente na análise dimensional.
Cada parâmetro está ligado a uma das dimensões.
Denotamos a dimensão de uma quantidade colocando-a entre colchetes, e.g. .
Assim, temos
Como dito acima, a análise dimensional vem usualmente acompanhada de uma hipótese de universalidade.
No caso do pêndulo, podemos fazer a hipótese de que o período é caracterizado apenas pela combinação dos parâmetros , e , por exemplo,
Essa combinação tem dimensão
A única possibilidade disso ser de dimensão é com
Assim, obtemos a relação
O símbolo significa que uma quantidade é diretamente proporcional à outra, ou seja é um múltiplo constante da outra: é equivalente a para algum .
A constante de proporcionalidade, no entanto, não segue diretamente desssa análise.
Além disso, desprezamos a resistência do ar, a variação na temperatura ambiente, a elasticidade da haste, o ângulo da oscilação, e outras parâmetros menos tangíveis.
Mais adiante, veremos o Teorema de Buckinham-Pi, que formaliza mais essa análise.
Em uma modelagem heurística, aproveitamos algum mecanismo qualitativo que nos parece razoável para o problema.
Um ótimo exemplo é o de dinâmica populacional.
Seja de um ou mais organismos, interagindo com o meio e entre si.
Imaginemos uma situação controlada em laboratório, e.g. em um experimento em um placa de Petri.
Seja é a população (e.g. número de células) de um organismo (e.g. fungo, bactéria) em função do tempo.
O organismo pode se multiplicar de diversas maneiras (e.g. divisão celular, brotamento).
Tipicamente, cada organismo dá origem a um ou mais novos organismos a certos intervalos de tempo.
Quanto mais organismos em um determinado instante, proporcionalmente mais novos organismos são gerados.
E quanto maior o tempo decorrido, proporcionalmente mais novos organismos são gerados.
Isso nos leva a relação .
A relação é imprecisa, pois temos do lado direito afetando toda a evolução durante o intervalo .
Isso não leva em consideração que, ao longo desse intervalo de tempo, pode já haver novos organismos participando de mais gerações, caso esse intervalo seja muito grande.
Assim, é adequado considerarmos a taxa temporal de evolução, obtida tomando-se o limite quando :
Isso nos dá uma lei heurística para o crescimento do organismo.
Observe que a solução é , onde é a constante de proporcionalidade na relação anterior.
Essa solução poderia ter sido obtida experimentalmente, medindo-se a população do organismo, para vários tipos de bactérios e fungos.
Nesse caso, teríamos a lei empírica , válida pra qualquer organismo simples desse tipo.
Ou mais explicitamente, , com dependendo do organismo.
Modelagem ad-hoc é utilizada quando não temos algum mecanismo razoável para considerar algum aspecto da modelagem.
Ela é muito utilizada em combinação com outras modelagens, para complementar alguma informação faltante.
No caso de crescimento populacional, por exemplo, isso pode aparecer ao considerarmos que o organismo depende de nutrientes para se desenvolver e gerar novos organismos.
Podemos imaginar situações em que essa quantidade de nutrientes é limitada, como em um placa de Petri.
Assim, o crescimento será afetado pelo tamanho da população, com a taxa de crescimento diminuindo conforme a população aumenta.
Podemos (e devemos) usar dados reais para validar o modelo ad-hoc acima.
Mas também podemos partir dos dados e deduzir o modelo através do ajuste de parâmetros.
Dessa maneira, essa forma do modelo é considerado um ansatz.
De acordo com o dicionário Oxford, ansatz é uma hipótese que é feita para facilitar encontrar a solução de um problema.
Coletando dados esses dados de crescimento em situações de recursos limitados, para uma série de organismos, podemos verificar e concluir essa lei de forma empírica.
Um hipótese comum é assumir que isso é afetado por um termo de ordem quadrática, levando-nos à equação logística:
Observe que para , o termo quadrático é desprezível, e obtemos o crescimento natural.
Mas para , o termo quadrático reduz consideravelmente a taxa de crescimento.
Observe, no entanto, que isso foi uma dedução essencialmente matemática, em termos de ordem de grandeza, sem levar em consideração algum mecanismo especial. O mesmo efeito seria alcançado com qualquer potência maior , não necessariamente . Nesse sentido, foi uma escolha ad-hoc.
A Mecânica Clássica é um perfeito exemplo disso.
O modelo dado pela equação
vale em geral, desde que sob condições macroscópicas mas sem exageros astronômicos e em velocidades bem mais baixas do que a velocidade da luz.
Em alguns casos, é preciso considerar a variação de massa do objeto (e.g. foguete)
Em outras situações, os modelos de relatividade restrita, relatividade geral, mecânica quântica, entre outros, são necessários.
Muitos modelos considerados fundamentais surgiram baseados também em análises empíricas, dimensionais, com termos ad-hoc e/ou de forma heurística, mas ganharam solidez e confirmação com o tempo.